segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Mulher pampeana



E aqui estou eu meu gaudério
em tempos de guerra e paz
sou aquela que te espera
sem saber se tu virás...

Nestes serões solitários
entre agulhas de costura
e velhos livros que li
fui alinhando as idéias
alinhavando verdades
até que um dia entendi...

Sou a história repetida
eu já vivi outras vidas
eu já fui outras mulheres
antes de ser a que sou...

Acho que até fui Maria
Maria de Nazaré
De a cavalo, num burrinho,
com Jesusinho no colo
a seguir o bom José...

Quanta vez de tardezita
cevei o mate solita
e mateei bombeando
a estrada...

Qualquer nuvem de poeira
qualquer sinal de galope
já me acendia a esperança
mas que esperança, que nada...

Na minha ingenuidade
era tudo o que eu queria
um rancho pra ser meu rancho
um peão pra ser meu peão
filhos pra chamar meus filhos
um terreiro com galinha,
vassoura, fonte e fogão...

Fui das páginas da história
aos sonhos do faz de conta
na guerra, fui cabo toco
uma mulher que peleou...

Fui Anita e Ana Terra
fui a parda margarida
que pra casar com Inácio
fez pedido a Santo Antônio
prometendo uma capela
e uma cidade gerou...

Fui mãe de heróis e teatinos
desposei peões e caudilhos
e nem esposos, nem filhos
reconheceram a seu tempo
minha fibra, meu valor...

Quem percorrer a querência
pelos caminhos da história
decerto me encontrará...

Varrendo um velho terreiro
ou assando pães no forno
lavando roupas na sanga
costurando uma bombacha
ou tecendo um bichará

Acalentei no meu colo...
e amamentei no meu seio
o meu Rio Grande piá...

Sem queixas e sem lamentos
fiz das esperas motivo
para continuar vivendo
e deixando a vida passar...

Por que no fundo eu sabia
que quando daqui me fosse
uma filha ou uma neta
viveria em meu lugar...

E por justiça se diga
que nem tudo nessa vida
de simples mulher pampiana
tenha sido só tristezas,
trabalhos e desencantos...

Eu já dançei a tirana
já bailei nas amadas
Já fui prenda cortejada
nos fandangos de galpão...

Também já fui disputada
em desafios de chula e
peleia de facão...

Eu, eu já vivi tantas vidas
Eu já fui tantas mulheres
e outras que por certo serei...

Por que aquela guriazita que
vês brincando de boneca
sem ver o tempo passar
já sou eu, antecipando um
tempo que vai chegar...

Muda o tempo, muda a gente,
sou mulher independente,
forte, livre e emancipada
mas no fundo sou a mesma...

Ainda frágil, ainda fêmea
Ainda à espera que me tragas
segurança, afeto, achego
e me estendas um pelego
e convide para sestear...

E aqui estou eu meu gaudério
em tempos de guerra e paz
sou aquela que te espera
sem saber se tu virás...

Autor: Odilon Ramos

Nenhum comentário:

Postar um comentário